quarta-feira, 29 de abril de 2009

As Associações e o novo Código Civil

Considerando as alterações que o novo código civil traz, a série de regulamentações que o mesmo exigirá e podem levar algum tempo e, principalmente, a não pretensão dos Fascículos da Cultura da Cooperação serem compêndios completos sobre os temas que tratam, optamos por transcrever o documento abaixo para que você tenha informações iniciais sobre os impactos que o novo Código gera para as associações.

Seguindo o princípio de manter atualizadas as informações dos Fascículos, estaremos atentos ao andamento das questões colocadas abaixo e incorporando-as tão logo tenham amplo respaldo legal.


ESTATUTOS DE ENTIDADES FACE AO NOVO CÓDIGO CIVIL - Prof. Rubem Süffert.
Presidente da Comissão Nacional de Gestão Institucional e da Comissão Estatuinte da Assembléia Nacional.

Em decorrência da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, entrou em vigor em 10 de janeiro de 2003, o novo Código Civil Brasileiro. Esse texto traz profundas modificações em muitas áreas, mas desejamos nesse artigo abordar suas conseqüências para as entidades sem fins lucrativos, como a União dos Escoteiros do Brasil, e para as Regiões Escoteiras e os Grupos Escoteiros com personalidade jurídica própria. Inicialmente, devo deixar clara minha posição, de que não julgo o mais adequado que cada Grupo Escoteiro tenha personalidade jurídica própria, a não ser aqueles que já tenham atingido uma estabilidade num porte maior. Creio ser melhor que reunidos em Distritos ou por cidade, ou mesmo em conjuntos de 3, 4 ou 6, as Unidades Escoteiras Locais constituam em conjunto uma entidade patrocinadora, que lhes conceda o CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, como filial, reduzindo assim substancialmente os custos operacionais de manutenção de uma personalidade jurídica própria.

No Título II “Das Pessoas Jurídicas”, define o artigo 44 do novo Código Civil: “São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; e III – as fundações. O artigo 981, por sua vez estabelece: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. De outro lado, o artigo 53 do novo Código Civil fixa: “Constituem-se as associações pela união das pessoas que se organizam para fins não econômicos.” Aqui a primeira grande discussão que se cria, é se essa nova terminologia “fins não econômicos” pode predominar em relação à denominação constitucional de “instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos” conforme o artigo 15, inciso VI alínea “c” e o artigo 213 da Carta Magna: “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I – comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II – assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.” Nesse sentido, creio que o próprio poder legislativo irá compreender que a denominação criada pela nova legislação “de associação com fins não econômicos” não é adequada para as mínimas atividades de manutenção financeira das associações, em campanhas e parcerias de arrecadação de recursos, fazendo os necessários ajustes na legislação. Se não, teremos ações judiciais para definir com mais clareza esse aspecto.
Também a Constituição Brasileira, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais estabelece em seu artigo 5º incisos: XVII – “é plena a liberdade de associações para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;” e XVIII – “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Assim, existe previsão constitucional de normas legais regulamentando as cooperativas, mas não para a criação de associações, que tem proteção contra a interferência estatal. Isso dará, certamente, outro embate nos tribunais.

O artigo 46 do novo Código Civil estabelece: “O registro declarará: I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V – se os membros respondem ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.” Essas normas já constavam da Lei nº 6.015/1973, do Registro Público, e em geral já são consideradas no estatuto das associações, exceto em relação ao inciso IV que poucos estatutos especificam.

Deixa claro o artigo 47 que: “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.” Que no caso das associações é o seu estatuto. Assim, o estatuto deve definir com clareza os limites dos poderes dos administradores, no próprio resguardo dos direitos das associações, já que hoje muitas vezes são fixados em regimentos internos ou regulamentos gerais.Também, pela primeira vez, explicita agora o artigo 48: “Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.” Assim, os quoruns de votação não podem constar de normas menores, regulamentos, etc..., predominando nesse caso a maioria simples fixada no novo Código Civil. Se decisões tiverem que ser tomadas por 2/3 (dois terços) dos presentes, ou por eventual unanimidade, essa regulamentação deve constar do estatuto. E, detalha o Parágrafo Único: “Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.”

Também inova o Código Civil, ao estabelecer em seu artigo 52: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade” que conforme o artigo 11, ‘‘com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária’’. Assim, passa a caber para as associações a possibilidade de acionar outras pessoas na justiça por danos materiais e morais. O artigo 186 do novo Código Civil dispõe: ‘‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’’. No novo dispositivo, o Código incorpora, expressamente, a reparação do dano moral, categorizando-o de ato ilícito, o que é novidade na legislação brasileira.O detalhamento desses direitos estão no Capítulo II – “Dos Direitos da Personalidade”, que começa com o artigo 11: “ Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

A partir daqui, convêm destacar que o novo Código Civil estabelece normas imperativas para as Associações, a exemplo de algumas que veremos a seguir, e acho que devem constar do estatuto da entidade. Outras, como o quorum especial para alterar o estatuto ou para destituir os administradores de 1/3 (um terço) dos associados presentes à 2ª convocação e seguintes da Assembléia Geral, e a destinação do patrimônio a que as associações estão sujeitas, valem enquanto essas normas estiverem em vigor, mesmo que não incluídas no estatuto. Nesse caso, os dirigentes e membros das associações devem julgar se convêm incluir essas normas no estatuto ou simplesmente cumpri-las enquanto não alteradas ou revogadas.

O artigo 54 do novo Código Civil define: “Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá: I – a denominação, os fins e a sede da associação (já constante do artigo 46 inciso I); II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III – os direitos e deveres dos associados; IV – as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos; VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.” Algumas entidades tem em seu estatuto definido os requisitos de admissão, mas raramente para o caso de demissão e de exclusão de associados, que normalmente se encontravam em normas secundárias. Também passa a ser obrigatória a explicitação, no estatuto, dos direitos e deveres dos associados, assim como as condições para a alteração do próprio estatuto. Ou seja, quem encaminha as propostas de modificação e que a decisão deve ter 2/3 (dois terços) dos presentes favoráveis à alteração, conforme estabelece o novo Código Civil. Aqui também cabe a discussão sobre a possibilidade de uso de procurações, quantas cada associado pode receber e a eventual votação por correspondência, o que às vezes se tornará necessário, para se alcançar o quorum mínimo de 1/3 dos associados, necessário para as Assembléias de alteração estatutária. O que sugiro nesse sentido é a abertura no estatuto da possibilidade de procurações e suas condições básicas, da mesma forma que a votação por correspondência, remetendo-se seu detalhamento ao Regimento Interno ou ao Regulamento Geral, que as regulamentará.

O artigo 55 abre a possibilidade para a categorização de membros das associações ao afirmar que: “Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.” No caso do Movimento Escoteiro, nossos membros juvenis, por exemplo, ao invés de sócios beneficiários, poderão ser denominados futuramente de “beneficiários” ou mesmo de “membros juvenis”, para não serem incluídos no quorum de associados presentes exigido para algumas decisões das Assembléias Gerais, nos quais a maioria desses membros juvenis não tem sequer direito ao voto.

Por sua vez, o artigo 59 do novo Código Civil fixa que: “Compete privativamente à assembléia geral: I – eleger os administradores; II – destituir os administradores; III – aprovar as contas; e IV – alterar o estatuto.” A essas quatro atribuições exclusivas, deve-se acrescentar a de “apreciar, em grau de recurso, os casos de exclusão de associados” conforme previsto no artigo 57 e seu Parágrafo Único. E continua o Parágrafo Único do artigo 59: “Para as deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes.” Esse elevado quorum só pode ser alcançado com bastante dificuldade. Imagine o esforço para reunir 1/2 dos pais e mães, dirigentes e escotistas de um Grupo Escoteiro, contando nesse quorum também os membros juvenis como sócios, em uma assembléia de grupo, para alterar seu estatuto ou destituir um administrador. E amplie essa dificuldade para toda a Região ou a UEB em nível nacional.

A solução aqui, é prever no Estatuto que para as Assembléias Gerais em que sejam discutidas alterações estatutárias ou destituição de administradores, podem ser utilizadas procurações. É conveniente restringir em 5 ou no máximo 10 procurações que podem ser recebidas por cada associado, bem como sua validade máxima em um ano. Outro caminho, que pode ser simultâneo, e prever para esses dois temas da Assembléia Geral a votação por correspondência, hoje amplamente usada em entidades de classe, atendendo a critérios regulamentados pela Diretoria de Grupo.

A discussão inicia ao se definir quem são os administradores. Normalmente, poderíamos considerar que fossem todos os integrantes da Diretoria, sendo que nesse caso não teríamos mais os Diretores nomeados. A questão se torna mais relevante ao se definir como se substituem os administradores em casos de vaga, até a próxima Assembléia Geral. Pessoas não integrantes da Diretoria podem ser previstos como substitutos eventuais daqueles que a integram? Se admitiria eleições pela própria Diretoria, de forma interina? Aqui, a análise passa a ser quem são os administradores da associação, que devam ser eleitos pela Assembléia Geral. Naturalmente, não se pode exigir que todo e qualquer estabelecimento mantido, no nosso caso os Grupos Escoteiros e Direções Regionais, tenham seus administradores escolhidos dessa forma. Entendo, assim, que aqui se trata dos administradores nacionais da UEB, incluindo os regionais e de Grupo somente quando esses níveis tem personalidade jurídica própria, devendo então toda a Diretoria ser eleita pela Assembléia Geral. O preenchimento provisório não pode, nesse caso, dispensar que na próxima Assembléia Geral sejam os cargos vagos adequadamente preenchidos.Surgirão, assim, para contribuir com as Diretorias, os Superintendentes e Secretários como funções voluntárias, e os Executivos e Gerentes como cargos de profissionais contratados. Esses não tem direito de voto nas reuniões de Diretoria, mas podem ter o de voz, que já é importante.

Especial atenção também deve-se dar ao artigo 61 da Lei nº 10.406/2001, que trata da destinação do patrimônio em caso de dissolução da associação. No caso de órgãos escoteiros com personalidade jurídica própria entendo que devem ser destinados a outras entidades que pratiquem o Escotismo, a fim de assegurar a adequada destinação pela qual foram constituídos.

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